Bacalhau na Geladeira #6 – Professores Jedis e Da Vinci [Parte 01] | Artigo

“[…]eles foram além. Eles materializaram esses modelos virtuais. Deram vida a eles. As invenções foram construídas usando diversos tipos de materiais como madeira, canos de PVC, arames etc. Eles “tocaram” a matemática e abusaram dela.”

Viva os Professores Jedis!

Conviver com finlandeses, com a cultura deles e obviamente com o sistema de ensino finlandês, reconhecido mundialmente, tem me ensinado mais do que eu poderia supor. Tem me ensinado mais, inclusive, sobre os professores brasileiros.  No texto de hoje, os finlandeses ficarão um pouco de lado. Falarei sobre um professor do IFRS que está fazendo o programa aqui comigo. Ele tem feito um belíssimo trabalho e tem revolucionado a educação em seu campus. Ele dá aula de matemática e se chama Diego Lieban. Na verdade, ele nasceu na Argentina (nobody’s perfect), mas creiam, ele é quase um brasileiro. Sempre viveu no Brasil.

Durante essa semana tivemos apresentações dos projetos realizados por alguns professores em seus campi de origem. Uma dessas apresentações foi do Diego.  Ele mostrou o vídeo Reconstruindo Da Vinci (vídeo abaixo) cujo tema são os projetos realizados com seus alunos de matemática que trabalharam na reconstrução de obras do Leonardo Da Vinci. Simplesmente fabuloso. Esse é o modo de aprender dos meus sonhos.

A matemática é uma disciplina muito presente em nosso dia a dia, de diferentes formas. Apesar disso, o seu ensino é muito desconectado de qualquer vivência. Quando cursei o ensino médio, a minha disciplina favorita foi disparadamente Geometria Espacial. Eu era apaixonado: juntava matemática e desenho. Era uma matemática visível, palpável. E, tantas vezes, não se pode senti-la, tocá-la e, às vezes, nem vê-la. Uma educação cheia de pudor.

É claro que há, sempre, questões no aprendizado que dependem de abstração. Ponto. Mas, sempre? Só? A convivência entre a teoria e a observação prática, quando possível, não é desejável?

Entre as atividades dos alunos de Diego Lieban está recriar algumas das invenções do Leonardo da Vinci, dentre elas a Martelo com Came, Cremalheira, Barco a Pala a Catapulta. Na primeira etapa, os alunos tiveram que modelar as invenções usando softwares como Geogebra e Google SketchUp.  O Geogebra é um software livre bastante interessante, nele é possível a modelagem geométrica de objetos em 3D (esferas, pirâmides, etc). Também é possível inserir uma inteligência em tais modelos por meio da combinação de código de programação. Assim, é possível simular comportamentos de objetos 3D.

Levar o aluno a ver, construir e simular a execução de objetos reais adiciona complexidades não encontradas no ensino puro da matemática, como a necessidade de trabalhar com programação. Mas eles foram além. Eles materializaram esses modelos virtuais. Deram vida a eles. As invenções foram construídas usando diversos tipos de materiais como madeira, canos de PVC, arames etc. Eles “tocaram” a matemática e abusaram dela.

Entretanto, não pararam aí. O professor Diego, também envolveu no trabalho a criação de um material audiovisual sobre a construção das invenções e também sobre a história de Leonardo da Vinci. No final, os alunos tinham que mostrar os resultados em uma feira, como vocês podem conferir no vídeo.

Professor Diego Lieban. Fonte: Arquivo pessoal do autor

Foi uma atividade de matemática que envolveu todo um conjunto de conhecimentos, de modo multidisciplinar e complementar. O esforço nesse caso foi bem maior do que se os alunos estivessem apenas fazendo contas sentados em suas carteiras. Eles tiveram que se mexer e aplicar conhecimentos de artes, história, português e física para executar o projeto. Mas isso ocorreu de uma forma natural, bastante divertida e prática.

Lembram da analogia das ferramentas, em um dos posts anteriores? [COLOCAR O POST] Então, esse cenário de aprendizagem ilustra muito bem isso (assim como esse projeto ilustra muito bem o que é um cenário de aprendizagem). A disciplina é de matemática, mas para construção das invenções foram necessárias várias ferramentas. Houve interação entre elas. Para construir algo papável é necessário juntar ferramentas. Nesse caso, foi necessário – além da matemática – a programação, arte, física, história etc.

Nos posts 4 e 5 eu partilhei com vocês meu deslumbramento frente à inovação pedagógica que dá sustentação ao Proacademic. Depois de ver a apresentação do Prof° Diego, pensei que seria importante a gente refletir sobre como há muitos casos pontuais de professores que aqui, no Brasil, são muito inventivos, criativos e inovadores nos seus processos de ensino-aprendizagem. Eu tive um professor de Geografia que exercia a docência de modo totalmente diverso de seus colegas. O nome dele é Fábio Flores. Fiz vários trabalhos interessantes com ele. Em um deles, meus colegas e eu tínhamos que fazer uma paródia de uma música qualquer, abordando um determinado tema, depois um programa de rádio e por aí tudo ia. Tudo relacionado com o conteúdo. Ele é um professor excepcional, que me marcou bastante.

Existem vários professores assim, e todos temos a lembrança de algum com quem esbarramos. Foram nossos “Mestres Jedis”. Jedis na arte de motivar. Mas, geralmente, são casos isolados diante da regra do “puro aulismo”.

A questão nova que a Finlândia nos traz é: não precisam ser casos pontuais! Podemos desenvolver métodos, estratégias, projetos e práticas pedagógicas que tornem a construção de cenários de aprendizagem a regra e não a exceção.

No vídeo Reconstruindo Da Vinci, os alunos colocaram a foto do Diego embaixo do Martelo de Came. Eles estão dando marteladas no professor deles. Absurdo? Não sei. Vingança? Bem provável. Uma carinhosa vingança estudantil, uma vingança saudável. Esses alunos se tornaram rebeldes e se rebelaram contra o tradicionalismo, mas sem perder o respeito pelo professor Diego, e nem o humor.

Provavelmente, as marteladas não eram para o Diego, mas para “O Professor”.

Até breve, pessoal! Em breve teremos mais notícias sobre professores brasileiros que tenho conhecido aqui na geladeira! Fiquem ligados!

 

Os textos da série “Bacalhau na geladeira” refletem a visão em primeira pessoa do Professor Rodrigo Calhau que esteve na Finlândia participando de um programa de especialização em práticas pedagógicas inovadoras na HAMK University of Applied Sciences em Hameenlina, cidade localizada a aproximadamente 100 km ao norte da capital Helsink e foram escritos entre Fevereiro e Julho de 2015. O nome da série “Bacalhau na Geladeira” corresponde a uma brincadeira com o sobrenome do autor e o clima frio do inverno finlandês.

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