Palavras e conceitos a propósito da educação | Artigo

Essa é a versão em texto da participação de Eduardo Chaves no Educa5. Ouça o áudio no player abaixo:

Ouça “O peso da “educação” | Eduardo Chaves” no Spreaker.

Prezado ouvinte deste podcast… Meu nome é Eduardo Chaves, e sou filósofo por ofício. É, para mim, um prazer estar aqui com você pela primeira vez… Minha intenção é, de vez em quando, colocar algumas minhocas em sua cabeça…

Pouca gente tem clareza sobre a diferença entre um conceito e uma palavra. Pra começar, temos duas palavras, a palavra “palavra” e a palavra “conceito”… E elas não podem nem devem ser usadas de forma intercambiável.

Há palavras, como “manga”, que se referem a mais de um conceito: o conceito de uma fruta (que nasce da mangueira) e o conceito de uma parte de uma peça de vestuário (blusa, camisa, paletó, casaco, etc.). A palavra “rapariga” pode se referir a mais de um conceito, dependendo de onde ela é usada, se no Brasil ou em Portugal (e mesmo no Brasil, dependendo da região). E há conceitos que são referenciados por mais de uma palavra: o conceito de um ser humano do sexo masculino ainda na infância é referenciado pela palavra “menino”, pela palavra “guri”, pela palavra “piá”, dependendo da região do Brasil em que nos encontramos, e pela palavra “miúdo” ou mesmo pela palavra “puto”, em Portugal…

Assim, quando usamos uma palavra importante, como “educação”, é preciso ter em mente qual é conceito de educação a que estamos nos referindo. A maioria das pessoas, hoje, no Brasil, e mesmo fora daqui, quando fala em educação tem em mente um conceito meio difuso, que tem que ver com escolas, currículos, ensino, ensinantes, testes, provas, e exames. O mais das vezes, a aprendizagem nem aparece nessa lista… E quando aparece é para designar absorção e assimilação de informações… Nada mais.

No entanto, Jean-Jacques Rousseau, um filósofo suíço do século 18, escreveu um importante livro chamado Emílio – Ou da Educação, obra importante na história da filosofia e da educação, em que ele defende uma educação que tem lugar à medida que as pessoas vivem, interagindo livremente com a natureza e umas com as outras, sem escolas, sem currículos, sem ensino, sem ensinantes, sem testes, sem provas, sem exames.

Outro filósofo, ainda mais conhecido, Sócrates, no século 5, antes da Era Cristã, é hoje considerado por muitos o primeiro grande educador da história da educação. Só que ele próprio não se considerava um educador: considerava-se um parteiro, não do corpo, mas da mente, que ajudava os outros a parir ideias e valores, a formar conceitos, enfim, a se educar… O importante é que a educação que ele tinha em mente não acontecia na escola, acontecia na praça; ele não seguia um currículo definido por ele, mas se pautava pelas indagações de seus interlocutores; nas interações dele com os outros, ele não respondia a nenhuma pergunta, não ensinava nada (na realidade, dizia apenas saber que nada sabia…); ele não aplicava testes, provas e exames, não dava certificados e diplomas, nada disso… A única ferramenta de sua prática educativa era fazer perguntas e questionar, com mais perguntas, as respostas que as pessoas lhe davam…

Como é que a gente tem coragem de falar em educação socrática, que era a educação praticada por Sócrates, e em educação laissez-faire, ou educação libertária, ou mesmo em educação negativa, que era a educação defendida por Rousseau, e ao mesmo tempo, pensar exclusivamente em escolas, em sala de aulas, em aulas, em dadeiros de aula, em recipientes de aulas, e coisas que tais?

Esta minha primeira fala, curtinha, tem o objetivo de lhe sugerir que você tenha mais cuidado com as palavras que usa, que pense bem nos conceitos que você imagina que suas palavras estão referenciando. Não se esqueça de que aqueles que estão ouvindo ou lendo você podem, ao ler ou ouvir suas palavras, vir a pensar em conceitos muito diferentes daqueles que você tem em mente. E isso certamente vai causar uma confusão danada…

SOBRE O AUTOR
Eduardo Chaves é Ph.D. na área de Filosofia pela Universidade de Pittsburgh, tendo recebido seu título 48 anos atrás, em 1972. Foi professor universitário durante 45 anos, de 1972 a 2017, exercendo sua função na UNICAMP, durante 33 anos, na área de Filosofia da Educação. Embora aposentado desde 2017, é blogueiro inveterado, com mais de mil artigos em seus diversos blogs. Chaves Space é o seu blog principal. Tem vários livros publicados. Considera seu livro mais importante Educação e Desenvolvimento Humano: Uma Nova Educação para uma Nova Era, publicado e disponível na Amazon, atualmente em sua segunda edição. Está trabalhando na terceira. É casado, tem quatro filhas, e uma penca de netos. Mora em Salto, SP, e completará em breve 77 anos.

No Educa5 podcast, cinco educadores apaixonados por educação se revezam nos cindo dias da semana para abordar temas relevantes do universo da educação em cinco minutos!

https://www.spreaker.com/show/educa5

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