Arte de Educar | Bacalhau na Geladeira #12 | Artigo

“[…]A arte é uma aliada do conhecimento, mobiliza intensamente a sensibilidade e devolve isso à razão. Não é uma inimiga da ciência, mas sua aliada. Por que não a exploramos mais em nossas salas de aula?”

Olá a todos! Como estão? Chegamos ao post número 12.

Tenho refletido bastante sobre o que seja educar. Será que seria chegar na sala, passar conteúdos de um slide, exercícios, provas, trabalhos, fazer as correções e atribuir notas? Essas são as tarefas essenciais de um educador? Na prática, o que nós professores temos feito é geralmente transmitir conteúdo de modo genérico, independente dos nossos alunos, do perfil deles. Entretanto, estudantes possuem sua individualidade. Será que temos considerado isso?

Mês passado, fui a Talin (Estônia), na Educon, um Congresso de Educação, onde tivemos uma palestra sobre isso. As pessoas aprendem de modo diferente. Uns são mais visuais, outros mais verbais, uns aprendem melhor pela reflexão, outros pela ação, uns são mais lineares, outros são mais generalistas, uns são mais práticos, outros mais teóricos, uns são mais indutivos, outros mais dedutivos, uns são mais sensitivos e outros mais intuitivos. Apesar dessas classificações, cada um é um pouco de tudo. Será que consideramos essas particularidades ao ensinar? Ou colocamos todos as pessoas num mesmo saco e ensinamos de uma mesma forma?

As pessoas são diferentes, com suas individualidades e modos de perceber o mundo. É nesse ponto que, para mim, educar se assemelha à arte. Não existe uma fórmula, uma regra. Contudo, nossa educação e a cultura acadêmica como um todo geralmente priorizam métodos mais formais, os modos de ensino linear, teórico, verbal, reflexivo, metódico e sensitivo, em detrimento dos outros. E não acabamos, dessa forma, tolhendo a criatividade e a inovação?

Mas isso não é de agora. Em um dos posts anteriores, comentei sobre o Leonardo da Vinci (https://papodeeducador.com.br/bacalhau-na-geladeira-6-professores-jedis-e-da-vinci-parte-01/). Lendo sobre o Gênio Jedi, identifiquei-me com ele em vários pontos (ei, tudo bem eu me comparar com um gênio renascentista, não é?). Uma de suas características que mais me chamou atenção, e pela qual também nutro grande apreço, é a generalidade dele e também junção que fazia de arte e ciência. 

Leonardo da Vinci revolucionou a anatomia por meio de seus desenhos. Mesmo assim, não era respeitado, por não ser afeito ao formal. Ele era inferiorizado por representar seu conhecimento por meio de desenhos. Para os acadêmicos, os desenhos tiravam a credibilidade do conhecimento. Artigos e textos em latim é o que era considerado elegante. Leonardo tinha a sua maneira peculiar de expressar e aprender. Era um artista. Agora, imaginem o Leonardo vivo hoje. Se ele fosse um professor de uma Universidade ou então se ele fosse um aluno, será que se adequaria?

Hoje, os cientistas e educadores ainda caminham por estradas estreitas, especializam-se ao máximo. A cultura de formalismo acadêmico está em nossa maneira de pensar, interagir e resolver problemas; permeia a relação entre professores, alunos e nosso modo de educar. Essa formalidade é necessária, mas o seu excesso, para mim, pode prejudicar a educação em certos momentos. 

Creio que o segredo para a inovação (e educação) está justamente na junção da formalidade com a informalidade. A educação precisa da informalidade, da mesma forma que as engrenagens precisam de óleo lubrificante para funcionarem melhor. Por que será que metodologias mais visuais, criativas, informais e interativas, como Design Thinking, Scrum e os diversos tipos “Canvas” têm ganhado cada vez mais espaço na inovação e gestão de projetos, comparando-se com metodologias mais formais? Por que será que em empresas como o Google e Apple existem ambientes descontraídos, os funcionários jogam videogame e podem até ir ao trabalho de pijamas? Por que será que empresas de publicidade tem um clima todo descontraído? Steve Jobs diz em um de seus livros que, dos 10 melhores programadores que ele conhecia, todos eram músicos, profissionais ou não. Coincidência? Provavelmente, eram pessoas de cabeça aberta, criativas, o que de certa forma facilitava a resolução de problemas.

Essa informalidade de que falo também faz parte do aprendizado. Aqui na Finlândia, tem existido mais abertura para ela. Por exemplo, em uma atividade, fizemos um vídeo como ferramenta de aprendizado. Vários conceitos do conteúdo foram discutidos de modo bastante profundo para construir essa arte. E confesso que no início fui resistente e preconceituoso, não levando a sério. Mas, depois, fui me envolvendo e estava totalmente engajado na atividade. Aprendi bastante no final. Fiz até uma ponta de ator. O nome do vídeo é Bla Bla Learning, que tem muito a ver com esse assunto..

Uma aluna comentou aqui no blog o caso de um professor de História que ensinava por meio de músicas. Achei fantástico. Verdadeiro casamento de Apolo e Dionísio. Entretanto, por algum motivo isso não é comum… Infelizmente a arte foi separada do conhecimento científico. O deus Apolo, deus da razão, hoje é cultuado enquanto o Deus Dionísio, deus da emoção, adormece. Apolo é quem reina. Desenhos não são bem vindos, nem cores, sons, nada que “dê vida”. A racionalidade pura é muitas vezes exaltada, enquanto a subjetividade, a intuição e as emoções são desprezadas. Colocam como fraqueza ou algo que atrapalha. Por que não juntar? Por que não homenagear Apolo e Dionísio num mesmo culto? Temos muito a ganhar com isso. Essa junção tornará a educação mais humana e total.

O conhecimento quando chega a níveis mais profundos precisa de ferramentas “mais expressivas” para ser multiplicado, como metáforas, analogias e a arte. Quem não se lembra como o Sr. Miyagi ensinou Karatê ao Daniel San, no filme Karate Kid? Se quisermos formar “guerreiros jedis” em qualquer área que seja, creio que o caminho não seja muito diferente. A arte pode ser, sim, uma poderosa ferramenta educacional, uma vez que refina a sensibilidade e a associa ao raciocínio.

A arte é uma aliada do conhecimento, mobiliza intensamente a sensibilidade e devolve isso à razão. Não é uma inimiga da ciência, mas sua aliada. Por que não a exploramos mais em nossas salas de aula?  Leonardo da Vinci já demostrou que a combinação de arte com ciência é explosiva. Gerou várias inovações. Trata-se uma aliada da inovação, da união da criatividade com a lógica.

Não é por acaso que nosso cérebro tem dois hemisférios, um lógico e racional e outro criativo e emocional. Nós, educadores, lidamos com alunos e a sociedade, com pessoas. Precisamos de sensibilidade nessas relações, de pensamentos mais amplos e abertos; arejar nossa cabeça, oxigenar mais nossas ideias para inovar; de lubrificantes para nossas engrenagens mentais, para diminuir o atrito e gerar mais resultados;  de mais espaços informais de aprendizado e inovação; de mais arte, na sala de aula, em nossas pesquisas e projetos extensionistas. Educar não é uma ciência exata. Como disse, está mais para uma arte.

Para terminar, vou lembrar outro Jedi, o Paulo Freire, para quem “o professor é, naturalmente, um artista; mas ser um artista não significa que ele possa definir o perfil dos alunos, ou moldá-los. O que o educador faz no ensino é possibilitar que os alunos se tornem eles mesmos”. E temos dito!

Os textos da série “Bacalhau na geladeira” refletem a visão em primeira pessoa do Professor Rodrigo Calhau que esteve na Finlândia participando de um programa de especialização em práticas pedagógicas inovadoras na HAMK University of Applied Sciences em Hameenlina, cidade localizada a aproximadamente 100 km ao norte da capital Helsink e foram escritos entre Fevereiro e Julho de 2015. O nome da série “Bacalhau na Geladeira” corresponde a uma brincadeira com o sobrenome do autor e o clima frio do inverno finlandês.

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