Qual a nossa missão? | Bacalhau na Geladeira #11 | Artigo

“[…]Os institutos são um ambiente muito diversificado, heterogêneo. Existem diferentes níveis e modalidades de ensino: ensino técnico, médio, graduação, pós-graduação, presencial e a distância. Há também os campus agrários, muito particulares, assim como professores com diferentes perfis, visões, níveis de formação, áreas de atuação e “tempo de casa” – todavia, todos trabalhando juntos. Às vezes parece uma nau dos insensatos, mas não é…”

Olá a todos!

Não sei se já contei a vocês, mas por cá, na Finlândia, estou morando com 16 professores brasileiros. Neste contexto, tão diferente do nosso e ao mesmo tempo entre nós, temos aproveitado a oportunidade para trocar muitas experiências. Hoje vou escrever sobre um assunto recorrente em nossas conversas: a missão dos institutos federais.

Trabalhamos em um instituto que é, ao mesmo tempo, recente e antigo. O grande grupo de institutos federais nasceu há poucos anos e está se constituindo uma nova cultura, que, por sua vez, se ergue a partir de outra existente, e centenária: a do Cefet e da Escola Técnica. E existe um histórico marcante no ensino técnico, tradições e visões que foram herdadas. Simultaneamente, muitos de nós, professores, fomos formados nas universidades, onde nos graduamos, nos “pós-graduamos” e herdamos muito da cultura. Enfim, estamos no meio de um cadinho de muitas influências distintas, condição perfeita para o crescimento, mas também para os conflitos.

Os institutos são um ambiente muito diversificado, heterogêneo. Existem diferentes níveis e modalidades de ensino: ensino técnico, médio, graduação, pós-graduação, presencial e a distância. Há também os campus agrários, muito particulares, assim como professores com diferentes perfis, visões, níveis de formação, áreas de atuação e “tempo de casa” – todavia, todos trabalhando juntos. Às vezes parece uma nau dos insensatos, mas não é…

Aqui, longe dos institutos, pensamos e discutimos para onde essa instituição está indo? Aonde os institutos federais querem chegar? Estamos remando em qual direção? Estamos remando na mesma direção? Muitas vezes tenho a impressão de que não. Na verdade, não está claro para nós para onde temos de ir. Cada um tem uma visão muito diferente e falta uma visão coletiva. Dessa forma, nós acabamos baseando-nos no passado para traçar o futuro. Os professores que foram formados nas escolas técnicas aparentemente querem replicar o modelo que os formou. Outros, formados nas universidades, também querem replicar seus modelos. Entretanto, o que enfrentamos, nosso presente, o presente dos nossos alunos é o agora, e os problemas são outros. Os institutos federais são algo novo; não são nem universidade, nem uma escola técnica.

Sempre penso sobre essa questão e me pergunto: afinal, qual o resultado, qual o output que uma instituição como a nossa deve gerar? Alguns pensam que são pesquisa, artigos, publicações; outros, que são inovações, empreendimentos; e uns, que o principal produto são as pessoas, os alunos formados. Há, ainda, quem possa pensar que a instituição deva levar conhecimento em forma de soluções para os problemas comunitários. Ou tudo isso e mais um pouco.

Nas universidades tradicionais brasileiras é como se já existisse um consenso de que o resultado principal são as publicações, e não a formação das pessoas. Essa é uma postura visível em vários professores. Muitos estão lá pela pesquisa e dão aula como algo secundário, como um fardo. Poucos inovam e geram soluções para a sociedade junto de seus alunos. Se acharmos que o principal resultado da instituição são artigos, publicações, então alunos serão o mal necessário para se fazer pesquisa? A forma privilegiada de medir nossa produtividade recai sempre em números – quantos artigos foram publicados, quantos foram a quantos congressos, quantos alunos evadiram ou quantos ficaram, quantos doutores, quantos pós-doutores, etc… Ou seja, que cidadão e que profissional estamos formando não está entre as preocupações sobre nossa produtividade? Pode responder que sim, e concordo, está; mas em que medida? O que privilegiamos como resultado?

É difícil generalizar, contudo, durante muitos anos o resultado principal dos institutos foi a formação técnica. O foco ainda é bem maior no ensino técnico, principalmente na sala de aula (com exceção dos campus agrícolas). E será este o resultado que os institutos federais deveriam gerar? Caso foquemos puramente na formação técnica, então pesquisas e atividades de extensão poderão ficar de fora, o que também não é bom. É importante que haja um equilíbrio de atividades para a formação do aluno (ensino), contato com a pesquisa e com problemas reais (extensão), o que ocorre ainda em casos pontuais nos institutos.

Inclusive nos Ifs, muito se fala em unir esses pontos: o ensino, a pesquisa e extensão. Todavia, com qual finalidade? E como? Até isso tenho refletido aqui. Criamos nomes, conceitos, definições, divisões e acabamos complicando algo que deveria ser muito mais simples. Esquecemos o principal. Falamos de atividades de ensino, de atividades de pesquisa, de extensão e, também, de juntar tais atividades; porém, muitas vezes esquecemos dos alunos, da educação, da cidadania.

Complicamos algo que era para ser bem mais simples. Focamos ou só nos cursos, ou só nas pesquisas, nos projetos, na extensão, etc. Existem várias “caixinhas” que cuidam cada uma de sua parte. Com isso, esquecemos a razão de tudo isso, do que liga tudo, do todo. Dividimos, mas não conquistamos. A educação de alunos deveria estar no centro de tudo. Ela é o que a instituição deve gerar, é nosso resultado. Nem a pesquisa, nem o ensino, nem a extensão são o fim. Eles são ferramentas para a educação de alunos.

Devemos, junto dos alunos, buscar a conexão com a realidade da nossa comunidade. Ela fornece problemas, demandas, complexidade e, com isso, a motivação para educação. A educação só faz sentido se tiver um fim. A sociedade fornece esse fim.

Para que o instituto gere como resultado a educação de alunos, precisa estar ligado a uma fonte energética chamada comunidade. E quando pensamos na identificação e solução de problemas aliados à formação de pessoas que, enquanto aprendem, dividem o que aprendem com seus colegas e a sua comunidade, creio que fica mais fácil juntar ensino: pesquisa e extensão. Na verdade, eles ficam indissociáveis. Todos eles são importantes instrumentos para a educação completa de alunos.

Não existem modelos prontos para o futuro. Nem o modelo das antigas escolas técnicas, nem das universidades, nem mesmo o “modelo finlandês”, que estou aprendendo aqui. Usar como referência modelos prontos pode ser um retrocesso ao invés de um avanço. Isso pode ser muito mais complexo, pode decepcionar, pode desgastar e complicar ainda mais.

Uma das coisas que mais me atrai em trabalhar em um instituto federal é possibilidade de criação do futuro; muitas coisas estão em aberto ainda, existe muito espaço para inovar. Há muitas perguntas e poucas respostas. E as perguntas são o que nos move. Considerar o passado é importante; entretanto, percebo que muitos dos professores se baseiam muito no antigo para a construção do futuro; no entanto, com isso, encontram várias restrições. É lógico que a experiência é importante, mas não só ela. Também a coragem é um grande motor das boas transformações.

Neste aspecto, sinto-me um privilegiado em ser inexperiente e novo no instituto. E quando for um pouco mais velho, quero ter sempre a coragem de apostar em uma nova ideia…

Os textos da série “Bacalhau na geladeira” refletem a visão em primeira pessoa do Professor Rodrigo Calhau que esteve na Finlândia participando de um programa de especialização em práticas pedagógicas inovadoras na HAMK University of Applied Sciences em Hameenlina, cidade localizada a aproximadamente 100 km ao norte da capital Helsink e foram escritos entre Fevereiro e Julho de 2015. O nome da série “Bacalhau na Geladeira” corresponde a uma brincadeira com o sobrenome do autor e o clima frio do inverno finlandês.

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