“[…] adianta pouco o aluno saber apenas programar, configurar o servidor, fazer algoritmos, se não sabe resolver problemas reais de fato, interagir com o cliente, assumir responsabilidades, etc. O foco em conteúdo é, sim, importante, mas focar em competências é fundamental. É ensinar a pescar, e não apenas dar o peixe”.
Chegamos à postagem 10 do Bacalhau na Geladeira!! Ah, ê!
Semana passada, aqui na Finlândia, apresentei o Leds, o Laboratório de Extensão e Desenvolvimento de Sistemas, do IFES Campus Serra, onde venho empregando minha força durante os últimos quase 3 anos… Preparando-me a apresentação, lembrei que durante uma das várias discussões sobre o que seria o Leds, em tom de brincadeira, eu disse para um dos professores que minha pretensão com o laboratório era criar uma escola Jedi. Eu queria, enfim, formar guerreiros. O que seria isso? Ora, ora, em princípio, mais uma metáfora…
Um Jedi é um guerreiro, sabe lutar, manipular o sabre de luz e outras armas; mas, mais que isso, é quem manipula a “força”. Transportando para o contexto acadêmico, seriam aqueles alunos que sabem o “algo a mais”. Não apenas as coisas técnicas, como programar ou configurar um servidor; seu conhecimento transcende isso: eles sabem resolver problemas, são proativos, trabalham em grupo, conseguem também aprender sozinhos, são bons comunicadores e dividem o conhecimento.
Na época, eu não tinha a visão que estou tendo aqui, não sabia que existia o currículo orientado por competências, nem o long-life learning, a educação contínua, ao longo da vida, que une educação formal, não formal e informal, como existe nas escolas e universidades de ciências aplicadas da Finlândia. Hoje tem sido muito noticiado na internet, mas na época não sabia que os currículos dos cursos focavam desenvolver esse tipo de competência. E é muito interessante ver que essas coisas existem no campo do ensino. Isso é um sinal.
Na educação daqui, o conhecimento técnico e prático estão aliados a valores e competências mais humanas, comportamentais. Quando um professor ministra uma disciplina, qualquer que seja, técnica ou não, o aluno também aprende competências mais humanas. Ele é avaliado por isso, pelo trabalho em grupo, pensamento crítico, resolução de problemas. As atividades são planejadas para estimular tais competências e o professor dá suporte nisso, estimula esse tipo de crescimento.
Todo aluno na universidade de Hamk, ao entrar, recebe um conjunto de livros, chamado Task (Transferable Academic Skills Kit), que o ajuda na formação das habilidades e competências acadêmicas. São 12 livros, cada um com um tema – por exemplo, trabalho em grupo, solução de problemas, pensamento crítico, pesquisa e referência, apresentação, escrita científica, seminários, cultura acadêmica, técnicas de examinação, etc. É ensinado aos alunos como refletir, bem como técnicas para isso. Sobre como refletir sobre o passado, o presente e o futuro. Ensinam o aluno a aprender pela metacognição. Ou seja, eles ensinam o “algo a mais”, não apenas o conhecimento técnico, muitas vezes efêmero; ensinam a manipular a “força”. De certa forma, representam uma Escola Jedi.
No Leds, existe uma tentativa de prover essa formação. Nós levamos os alunos a interagir com o cliente, estimulamos a comunicação, a negociação de prazos, o trabalho em conjunto, a colaboração, a ajuda mútua, a resolução de problemas reais, estimulamos a liderança, a gerência de equipes e até inovação e o empreendedorismo. Percebemos que isso tem ajudado bastante no desenvolvimento pessoal e na maturidade dos alunos. Não temos o mesmo preparo, pois ainda estamos começando, mas sinto que esse é o caminho em que o instituto deveria investir.
É claro que saber coisas técnicas, como programar ou configurar um servidor, é importante. Uma falha nisso. no mundo real. pode trazer sérios prejuízos em um empreendimento. Entretanto, adianta pouco o aluno saber apenas programar, configurar o servidor, fazer algoritmos, se não sabe resolver problemas reais de fato, interagir com o cliente, assumir responsabilidades, etc. O foco em conteúdo é, sim, importante, mas focar em competências é fundamental. É ensinar a pescar, e não apenas dar o peixe.
Há um filme que vi há alguns meses chamado Homens que Encaravam Cabras (link abaixo). É uma comédia muito engraçada sobre um espião paranormal, que diz ser um guerreiro Jedi que usa poderes da mente, como telepatia, para lutar. Ele foi formado em uma Escola Jedi, cheia de soldados ripongas que queriam usar a “paz e o amor” como armas.
O filme pode ser uma boa viagem, mas, cá entre nós, viajar tem lá seu papel na formação dos sentidos que nos orientam… Tenho realmente um objetivo pretencioso de formar uma Escola Jedi. Quero formar guerreiros. Quero formar Jedis multiplicadores, que transformem o mundo. Se não o ‘Mundo’, ao menos o seu mundo. E esse é um bom sonho para se ter sozinho – imagine para se ter em grupo. Como no filme, quero formar Jedis que aprendam a “lutar” usando os “poderes paranormais” da reflexão, do pensamento crítico, do trabalho em equipe, da proatividade, da inovação, da empatia, da colaboração, do saber aprender. Utopia? Talvez. Na verdade, antes achava que sim; agora, com minha experiência aqui, não tanto.
Um abraço Jedi e até a próxima publicação!
“May the Force be with you!”
Os textos da série “Bacalhau na geladeira” refletem a visão em primeira pessoa do Professor Rodrigo Calhau que esteve na Finlândia participando de um programa de especialização em práticas pedagógicas inovadoras na HAMK University of Applied Sciences em Hameenlina, cidade localizada a aproximadamente 100 km ao norte da capital Helsink e foram escritos entre Fevereiro e Julho de 2015. O nome da série “Bacalhau na Geladeira” corresponde a uma brincadeira com o sobrenome do autor e o clima frio do inverno finlandês.
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